31 de maio de 2009

"Dói internar um filho. Às vezes não há outro jeito"

INTERNAÇÃO

Ele entrava em surto
E o pai o levava de
carro para
a clínica
ali no Humaitá numa
tarde atravessada
de brisas e falou
(depois de meses
trancado no
fundo escuro de
sua alma)
pai,
o vento no rosto
é sonho, sabia?

E quanto a esse poema? Tão bonito quanto forte, em? Ao mesmo tempo desafiador, exaltando quem sabe, algo que há nos perturba, uma dor que existe no íntimo, representando uma fagulha tão só, um espasmo mental a deriva de um estado linearmente absoluto. Errado se pensam que o poema é de autoria própria, certamente já perceberam, afinal não sou dotado de tamanha habilidade poética. Internação é um poema assinado por ninguém menos que Ferreira Gullar em 1999.


Conforme matéria publicada o portal G1 do site globo.com, Gullar é um veterano na convivência com doentes mentais, pai de dois esquizofrênicos e levanta uma das maiores controvérsias da psiquiatria: o que fazer com doentes mentais em estado grave? A observação sobre o vento partir de Paulo, seu filho mais velho, que hoje tem 50 anos. Ele sofre de esquizofrenia, doença caracterizada, entre outras coisas, por dificuldade em distinguir o real do imaginado.

Achei absolutamente relevante divulgar essa matéria aqui. De acordo com o texto, “desde os anos 70, Gullar tenta administrar a moléstia. Fazia o mesmo com Marcos, o filho dois anos mais jovem, que também tinha esquizofrenia e morreu de cirrose hepática em 1992. Remédios modernos permitem que pessoas como Paulo passem longos períodos em estado praticamente normal. Sem alucinações, sem agitação, sem agressividade. Mas o tratamento só funciona se o doente tomar os medicamentos antipsicóticos todos os dias e na dose certa. Isso nem sempre acontece. O resultado são os surtos, quando o paciente se torna quase incontrolável.”.

A qualquer momento a pessoa vítima da doença pode cometer suicídio ou agredir quem está por perto. Nesses momentos, esses doentes costumam precisar ser internados. “Dói ter de internar um filho”, diz Gullar, hoje com 78 anos. “Às vezes, não há outro jeito.”

"...No Brasil, estima-se que haja 17 milhões de pessoas com algum transtorno mental grave – como esquizofrenia, depressão, transtorno bipolar, transtorno obsessivo-compulsivo. Em algum momento, eles podem precisar de um hospital psiquiátrico. Encontrar uma vaga, porém, tornou-se uma tarefa difícil..."

"...Nos últimos 20 anos, quase 70% dos leitos psiquiátricos do país foram fechados. Sem conseguir quem os ajude a cuidar dos doentes, pais e irmãos afirmam ter várias dimensões de sua vida pessoal comprometidas, dos compromissos de trabalho às amizades. É o que revela uma pesquisa feita em 2006 em Minas Gerais com 150 famílias com pessoas atendidas nos Centros de Referência em Saúde Mental. Em muitos casos, os doentes em surto fogem sem deixar rastro. Podem acabar embaixo dos viadutos. O aumento da população de rua nas grandes cidades não é fruto exclusivo da desigualdade social. Uma pesquisa feita em 1999 com moradores de rua em Juiz de Fora conclui que 10% deles eram psicóticos sem assistência..."

Leia aqui na INTEGRA o resumo da matéria publicada na Revista Época


2 Coveiros:

Anônimo disse...

Triste

Rocco Lopes disse...

Tava lendo a matéria na revista agora há´pouco, veja só. Só uma alma dotada de tamanha sensibilidade pra tirar beleza do horror. O poema é intenso, doloroso e lindo. Gullar é um amante das palavras e dos sentimentos. teu blog é massa, me identifiquei. também escrevo poesias, apesar de meus ultimos posts estarem mais para o humor. Passa lá! Agora vou ler outros posts. Vida longa ao cemitério!!!

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