4 de junho de 2011

Lendo as cartas da Cartomante Machadiana II (Final)

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Foco Narrativo

O narrador, no âmbito de uma perspectiva básica textual, assume o caráter de uma entidade responsável por narrar aquele determinado acontecimento. É uma das três esferas em uma história, sendo os dois outros o autor e o leitor/espectador. O ledor e o escritor dialogam com o mundo real. É função autoral estabelecer um mundo alternativo, paralelamente ambíguo com as figuras dramáticas rodeadas por cenários e eventos disformes que fomentam a ideia escrita. Nesse processo, o leitor também possui o seu papel, sendo incumbido de entender e interpretar a mensagem. O narrador existe meramente no mundo da história, formando o fio tênue entre leitor e trama de uma forma que possa compreendê-la.

A história, claramente narrada em terceira pessoa, tem a presença onisciente do autor, que usa dessa mesma onisciência para narrar e descrever os fatos. O narrador, nesse caso Heterodiegético - não é personagem da história, a forma mais comum na literatura. -, às vezes, assume apenas a posição neutra, transmitindo a realidade através da descrição das ações. No entanto, em outros momentos, prevalece a condição de narrador onisciente intruso, com liberdade plena, assumindo-se um conhecedor do âmago pensante e psicológico de suas personagens.

O advento perpétuo de uma voz onisciente é relevante por incitar a narrativa com uma atenuante, acentuar os passos dramáticos da obra, suscitando os conflitos internos das pessoas, formando um prólogo de recursos literários mais intensificados. Na ausência dessas soluções, o texto seria conferido em uma atmosfera mais uniformemente mórbida e invariavelmente monótona pela facilidade de presumir o seu desfecho. Também se atribui a esse recurso, o poder do autor em situar o leitor durante o curso do enredo, não somente ilustrando eventos como textualizando narrativamente.

O conto ainda utiliza dois discursos, tanto direto como indireto. Já que em diversos trechos os personagens ganham voz dentro da história, com o narrador, interrompendo a narrativa, para lhes conceder o direito de fala. Mas, em outras passagens, a perspectiva é diferente, não há diálogo, o narrador não as coloca a falar diretamente, mas faz-se o intérprete de sua voz, transmitindo ao leitor o que disseram ou mesmo pensaram.

Estrutura textual, Figuras dramáticas e a Trama

O texto é intrigante pelo poder de, em poucas linhas, desencadear em um incomum experimento no quesito estrutura narrativa, dividida em três partes. Na primeira, o período inicial, no qual o autor se preocupa em traçar um panorama introdutório, usando da precisão textual que lhe é peculiar. O leitor toma conhecimento que Rita, uma bela jovem, vítima da libido pecaminosa da carne, porém dotada de um espírito ingênuo, recorre a uma cartomante para saber se seu amante, Camilo, havia deixado de amá-la, já que há tempos não recebia suas visitas. O aparente mal entendido é desfeito, quando num segundo momento, o narrador transcende ao passado para atestar como se montou a relação, dando ao conto características alineares. Camilo era amigo de infância de Virela, que afastados pelo tempo, acabam se reencontrando, quando este já está casado com a jovem.

A amizade é o elemento central responsável por nutrir a intimidade entre Rita e o amante, ainda mais após a morte da mãe dele. Em nome do afeto que sente por Virela, Camilo até relutou contra seu desejo, embora, a atração por ela acabou sendo mais forte. No trecho crucial de A Cartomante, Camilo recebe um bilhete de Vilela, algo do tipo “Vem já já”. A princípio, isso logo lhe pareceu o enúncio do fim, o amigo parecia ter descoberto tudo. Partindo de imediato, vê-se preso devido ao grande tráfego causado por um acidente, exatamente nos arredores da casa da cartomante. Após uma profusão de conflitos e de romper muitas barreiras, Camilo também resolve aderir ao misticismo. A visita dura pouco, mas demora o suficiente para que lhe sejam galgados veredictos deveras animadores. Seu alívio veio junto ao trânsito que se dispersou e então resolveu partir a casa do colega. Logo quando foi recebido, além do rosto desfigurado de Vilela, completamente entregue ao desejo de vingança, o corpo de Rita, agora somente uma carcaça, falecida sobre o sofá. Antes que se recuperasse do choque ou que pudesse esbanjar qualquer reação, foi vitimado também pela ira do marido traído.

O enredo essencialmente conta com quatro personagens protagonistas, que seriam na ordem Vilela, Camilo, Rita e a figura incógnita da cartomante. No entanto, há outros personagens importantes que não marcam presença direta na história, é o caso da mãe morta de Vilela, que não obstante de secundária, assume uma atribuição capital na envoltura amorosa entre Camilo e Rita. Essas participações, portanto, não são e muito menos podem ser ideadas como o fruto de um acaso não intencional, fazem parte da inteligibilidade narrativa, e figuram-se como determinantes para o enredo da contextura. Machado de Assis além de analisar, também enfatiza psicologicamente todos os papéis, preconizando dilemas e conflitos interiores bem como aquilo que mais temem.

Quando a proposta é abordar o enredo, impossível logo não se remeter ao triângulo amoroso apresentado, a peripécia do adultério, abordada em Memórias Póstumas de Brás Cuba. Amigos de infância, Camilo e Vilela se encontram após um longo período de distantes. Depois de se reencontrarem, Camilo descobre que o amigo casara-se com Rita, a quem posteriormente é apresentado. O resto é até simples presumir, um misto de paixão, traição, adultério seguido de morte, mas isso o leitor só vai descobrir no final.

A formação do triângulo amoroso é que dará continuidade a montagem de Machado, com a jovem entrando em cena, já que sua desventura extraconjugal é o ponto de partida para buscar os conselhos de uma cartomante, que imediatamente prevê muita sorte e alegria nos novos rumos que sua vida vinha enveredando.

Já o amante, uma figura cética, na iminência de assentir um chamado urgente do amigo, vê-se atormentado pelo sentimento de culpa, ironicamente – na base do acaso –, busca consulta nas palavras da mesma cartomante, que também lhe conjetura um futuro próspero, em forma de duas balas que lhe atingiram o peito, desferidas a queima roupa, vendo sua vida esvaecer ao lado do cadáver da amada que o esperava, na vitória pré-estabelecida do ceticismo que coroa o texto.

Em A Cartomante, o desfecho justifica o conceito narrativo, mistério e misticismo, perspectivas que o texto dialoga, subitamente saem de cena, dando vazão a veracidade, no fim o realismo prevalece, na esfera psicológica, o natural desejo de vingança que assola e seduz. E não se pode negar que Machado não forneça evidencias de seu idealismo, no ritmo lento da narrativa, contrastando com o desfecho, o qual a velocidade subitamente dobra ou triplica no último ato.

Por fim, basta se aventurar por novos contos e romances de um dos mais antigos e atuais autores da Língua Portuguesa, que partiu faz tempo, deixando hereditariamente um legado que se renova, a cada leitor, inspirando gerações que vêm e vão, todos sempre fascinados pela presença da ironia, desse romântico às avessas, sarcástico e com a dose perfeita de pessimismo. O caminho para conhecê-lo é um só, pôr-se a ler sem parar. Porque a fórmula para sucesso é submissa à vontade, a gama pelo conhecimento ainda desconhecido, nesse emaranhado de palavras e orações, que precisam ser devorados, com volúpia semelhante à aptidão natural de um machado flamejante em dizimar suas vítimas.

1 Coveiros:

Anônimo disse...

sou separa a dez meses quero saber quer ele vai volta;

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