21 de janeiro de 2021

Picadeiro dos Sonhos

Já tive alguns pavorosos sonhos adornados por um palhaço deveras aterrorizante, formando uma experiência perturbadora a ponto de preterir irromper novamente nesses delírios. O arlequim a povoar meus insanos pesadelos é muito semelhante ao da foto dessa pintura de 1966 que coincidentemente (ou não?) pode estar na família da minha mãe há mais de cinco decênios.

A última vez que estive na casa dos meus avós foi em 1997 e não tenho qualquer lembrança desse quadro. Então, qual seria a razão dessa figura assombrar minha vida por tantos anos? Durante os sonhos, o palhaço se manifestava emulando uma dança sinistra, desengonçada, ensaiando falso carisma, até que as máscaras desmancham e o bufão, enfim, passa a ostentar um sorriso caliginoso, gadanhos cortantes brotam dos dedos, até, de maneira trôpega, dar os primeiros passos em minha direção, garantindo que não importa o quanto corresse, minha alma estava condenada a habitar os umbrais do inferno... .

Ou talvez tudo não passe de um relato virtuoso, ideado para chamar atenção. O que será pior: os palhaços maquiavélicos ou as pessoas que se aproveitam deles para fomentar o medo? Sem dúvida, os palhaços são muito, muito piores!

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20 de janeiro de 2021

Credo da remissão

Quando se tem nove anos de idade, é um tanto intimidador ficar diante daquele representante do Senhor, com sua sotaina branca, crucifixo opulento e um par de óculos estampando a face. Começava pedindo a reza do Pai Nosso, chegava a atropelar algumas palavras, mais por conta do nervosismo. Depois era a vez da Ave Maria, também nada capaz de representar um grande infortúnio. Os sobressaltos inquietantes eram tracejados no ato do terceiro desafio, quando o sacerdote postado a minha frente dizia: muito bem, agora o Credo!

- Creio em Deus pai todo poderoso, criador do céu e da terra, e em Jesus Cristo seu único filho, nosso Senhor...

- E?

- Desculpa padre, vou recomeçar: Creio em Deus pai todo poderoso, criador do céu e da terra, e em Jesus Cristo seu único filho, nosso Senhor...

O bom padre chegou a passar um verdadeiro sermão, sobre a importância de aprender o credo de cor e salteado. O filme se repetiu pelo menos outras duas vezes e como antes, lembrava apenas do começo e do trecho "desceu a mansão dos mortos" , isso era tão assustador, se tivesse de partir não ansiava descer àquela vultosa morada.

- Se você não souber recitar o Credo de cor, não poderá fazer primeira comunhão – disparou o padre. Lembro-me de relatar o episódio para algumas pessoas, ficaram horrorizadas com a exigência. No fim, acabei me sagrando campeão daquela “queda de braço”, porque fiz a primeira comunhão e não aprendi o tal Credo . Para dizer a verdade, nunca tive orgulho disso, era como triunfar sem benemerência, prevalecendo um impertinente gosto de malogro.

Tantos anos depois, em tempos tão difíceis impostos pela pandemia do novo Coronavírus, as pessoas sentem a necessidade de se apegar a alguma coisa, sendo marcado um reencontro com o Credo e dessa vez acabei assimilando toda a oração, como era esperado pelo padre há quase três decênios. Talvez estivesse certo quem dizia: antes tarde do que nunca! Enfim, agora pareço poder comemorar os êxitos de minha primeira comunhão e até consigo idear o semblante de contentamento do velho sacerdote.

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