25 de outubro de 2010

Vestido de Noiva – A vida e a obra de Nelson Rodrigues

Bem-aventurado seja Nelson Rodrigues e sua obra Vestido de Noiva. Apesar de ser um texto composto para o teatro, é incrível a precisão que as cenas – no ato da leitura – interagem com o imaginário do leitor, formando aquele universo previamente proposto por Rodrigues. Dramaturgo, romancista, jornalista, comentarista esportivo. Emprestou sua invejável produção escrita para difundir uma das instituições que mais amava, o Fluminense. Nelson Rodrigues, considerado por Manuel Bandeira como de longe o maior poeta dramático que já apareceu na literatura do Brasil, tem seu nome definitivamente inscrito na história do teatro brasileiro.

Nem a mais opiniosa crítica ferrenha, poderia deixar de evidenciar o episódio que sucedia. Na noite de 28 de outubro de 1943, quando o elenco de comediantes iniciava o primeiro ato da peça Vestido de Noiva, ainda não podia imaginar, que protagonizava aquela que seria denominada como a retomada, um novo começo do teatro moderno no Brasil.

O estilo de Rodrigues, ao mesmo tempo em que encanta e seduz, é temido pela exacerbação do humor cítrico e ferino, numa contextualização escrita acossada pelo demônio da natureza. A passagem elucida a tristeza libidinosa, que se mistura a volúpia trágica no deleite doloso do próprio infortúnio. Mais do que isso, um choque, porque uma das leituras passíveis, é que Nelson Rodrigues retrata o homem em sua pureza natural, enegrecida pela atmosfera pecaminosa, repleta de abjeções.

Durante esse post, uma breve passagem sobre a vida de Rodrigues, enquanto somente numa próxima atualização é que seguirá a analise do texto Vestido de Noiva. A ideia se faz necessária para uma compreensão mais adequada desse fenômeno literário, pois apenas recorrendo a sua história é possível entender além do universo construído, as particularidades inseridas na trama.

As raízes do amor e do ódio

Nelson Rodrigues, nascido 23 de agosto de 1912 em Recife, engatinhou aos 13 anos, os primeiros passos no jornalismo por influência do pai, Mário Rodrigues. Tudo começou quando Mário – poucos anos após o nascimento do filho – resolveu mudar-se para o Rio de Janeiro, buscando melhores estimativas salariais. O jornalista não contava que a vida na então capital federal não fosse nada fácil. Tanto que alguns anos mais tarde, pela dificuldade em se firmar profissionalmente, remeteu uma carta a esposa comunicando o retorno a Recife. Sua mulher além de não permitir sua volta, desfez-se de jóias e outros utensílios de valor, embarcando todos para o Rio de Janeiro.Nesse período, Nelson tinha pouco mais que quatro anos. O próprio trataria de frisar anos mais tarde que foi o gesto – aparentemente impensado – de sua mãe que o tornou um típico “carioca” e o Fluminense ganhava o seu mais ilustre torcedor. Nos primeiros anos da família, a cidade maravilhosa não parecia tão encantadora, já que o cenário de encanto dava lugar à fome, quando Nelson diariamente levava só uma banana como merenda escolar. Em casa não havia janta, a única coisa que comiam era aipim e tinha até muito orgulho disso.

Com o passar dos anos, a situação financeira foi se normalizando. Na década de 20, Mário Rodrigues assumia a direção do Jornal A Manhã. O cargo teve um preço, a contragosto do pai que não queria ver os filhos seguindo sua carreira, Nelson não saia da redação. Mesmo sendo diariamente afugentado, como sempre voltava, acabou vencendo pelo cansaço. Situação semelhante a de seus irmãos, já que quase todos acabaram jornalistas.

Nelson Rodrigues começava sua carreira como repórter policial. Os relatos dos crimes passionais somados aos pactos de morte entre casais apaixonados que cobria, invadiam-lhe a mente, incendiando a imaginação do adolescente romântico, e mais tarde aflorando o seu literário, já que utilizaria muitas dessas histórias reais em suas futuras crônicas. Mas, quando se trata desse ícone da literatura, assim como o gênero que compreende ventura e sucesso são meros detalhes, o resto quase tudo realmente é tragédia. Foi numa ensolarada manhã de sol, que não estava fadada a ser um dia qualquer, uma mulher irrompia furiosamente a redação do jornal. Sentindo-se prejudicada pela publicação de uma matéria, estava decidida a matar Mário Rodrigues, como não o encontrou, conformou-se em dizimar Roberto Rodrigues, cuja única culpa atrelada a ele era a paternidade do diretor do periódico. Não muito tempo decorrente ao trágico episódio da morte de seu filho, a vida de Mário esvanecia, pois, segundo Nelson Rodrigues, naquele tempo inda era possível fenecer por amor.

Com a recente morte de Mário Rodrigues e o impresso destruído, vitimado pela revolução de 1930, as dificuldades da família recomeçaram. O estado de saúde de Nelson era preocupante, primeiro contraiu tuberculose, precisando deixar o Rio para se tratar. Quando retornou a cidade, foi hospitalizado outras quatro vezes, fruto de uma vida desregrada e má alimentação.

Em 1939, Nelson Rodrigues já era considerado “o sujeito mais obscuro do Rio de Janeiro”. Nesse período, animado pelo êxito da comédia “A Família Lero-Lero”, de Raymundo Magalhães Júnior, resolveu escrever uma peça em semelhantes moldes. Nascia “A Mulher sem Pecado”, o início de seu legado no teatro brasileiro. O que num primeiro instante, nem o próprio autor contava, era que a ideação de uma comédia se exauriu logo na primeira página.A peça inicial não obteve os resultados esperados, sendo lembrada apenas como aquela que antecedeu um dos maiores marcos da carreira do autor. Escrita em apenas uma semana, “Vestido de Noiva” era encenada dois anos depois, conseguindo a proeza de substituir o surrado cenário das comédias corriqueiras pelo amplo espaço físico necessário para construir os planos da realidade, memória e alucinação.
Nelson Rodrigues assina mais de 50 obras entre crônicas, contos, romances e peças teatrais.

Continua...

Mas com direito ainda a um sucinto resumo do que está por vir, sobre a trama de “Vestido de Noiva”.

“Som de buzinas, carros, movimento. Alaíde é atropelada na rua por um automóvel que foge sem prestar socorro. Levada ao hospital, em estado de choque, é submetida a uma operação de urgência. A imprensa divulga notícias sobre o acidente e o estado da vítima. Alaíde não aguenta e: morre!”

AGUARDEM!

Continue...