9 de outubro de 2018

Pesadelo inominado


Conceitos como o bem e o mal, preto e branco, certo ou errado. O universo das dicotomias também deveria abrir espaço para um fenômeno que pouco se sabe a respeito: sonhos e pesadelos, que podem configurar experiências assombrosas, algumas verdadeiramente aterrorizantes, capazes de despontarem como o mais próximo do inferno que quero e me permito chegar. Há experimentos ainda piores do que se ver vitimado por delírios como despertar em lugares banhados pelo soturno, com murmúrios vindos de todos os lados, sombras fitando nossos passos, mantendo-nos ladeados pelo mal que agrupa e em mero instante se apodera de nossa alma, corrompendo-a. Temi por muito tempo embarcar nessas desventuras, até descobrir que o maior pesadelo de todos só pode ser vivenciado quando estamos acordados.
Não se sabe quem, ou precisamente o que está por trás dessa investida aterradora. Possui vários epítetos criados pelos homens como bruxa do sonho, demônio das sombras, homem da meia-noite, ou simplesmente bicho-papão. O ser das trevas, ou entidade, como prefira concebê-lo, parece habitar os sonhos das pessoas, onde se mantém vivo, perpetrando o horror.
No abrir dos olhos, é possível observá-lo no canto do quarto, sorrateiro nas sombras, postado sobre os pés da cama, com aquele aparente sorriso recheado de cinismo, conseguindo manter meu corpo paralisado, havendo controle apenas sobre o movimento dos olhos. Sua primeira manifestação ocorreu quando ainda era criança e tantos anos depois, permanece sendo impossível descrever sua aparência com riqueza de detalhes: um vulto na escuridão, movendo-se através das sobras que se formam.
O expurgo do inferno era ausente de feições. A energia que emanava era formada por algo ainda pior e mais intenso que a maldade. Estava acordado sim, mas não conseguia me mexer, por mais que tentasse, era como se a bel-prazer pudesse me manter imóvel, com o poder da mente. Cada segundo, a famigerada experiência atingia contornos ainda mais aterrorizantes.
Era possível que a estranha figura não fosse munida de poder algum, além de costurar as presas com o próprio medo, aprisionando gradativamente toda capacidade de reação. Algumas vezes a insólita entidade parecia adotar a forma de uma mulher e quando, em meu íntimo, atenho-me a rezar por uma saída, simplesmente estendia seus braços compridos, formando a imagem de uma cruz, parte de um estratagema frívolo, sórdido, articulado com único propósito de defenestrar a fé, insultando aquilo que acreditava.
Antes de partir para desbravar outros pesadelos, seus olhos frios e escuros cruzavam com o meu, despertando ainda mais inquietude. Subitamente a figura assombrosa, vultuosamente, caminhava ao meu encontro. O mal ainda se manifestava através das sombras que se espalhavam compassadamente pelas paredes gélidas, profanando o cômodo agora tomado pela escuridão, não há dúvidas: estávamos diante de algo verdadeiramente maligno.
Em um gesto de desespero, tentava reunir as últimas forças para gritar, romper a inconveniente paralisia e correr o máximo possível para longe, mas não havia resposta, continuava imóvel, diante dos olhares daquele emissário do demônio, a voz tragada pela escuridão, as pernas desobedecem. Sem perceber, retomava ao sono profundo e todo cenário era desmantelado.
Não era apenas um pesadelo, era diferente, diferente, realmente díspar. Outros caracterizarão como embustice ensaiada por dissimulados, mas não importa. Certo é que a criatura das trevas, ser inominado, está agora em algum lugar, espalhando medo, encontrando morada no pesadelo de outras pessoas. Um novo encontro estará marcado, só resta saber quando retornará para povoar meus tristes delírios.

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