20 de janeiro de 2021

Credo da remissão

Quando se tem nove anos de idade, é um tanto intimidador ficar diante daquele representante do Senhor, com sua sotaina branca, crucifixo opulento e um par de óculos estampando a face. Começava pedindo a reza do Pai Nosso, chegava a atropelar algumas palavras, mais por conta do nervosismo. Depois era a vez da Ave Maria, também nada capaz de representar um grande infortúnio. Os sobressaltos inquietantes eram tracejados no ato do terceiro desafio, quando o sacerdote postado a minha frente dizia: muito bem, agora o Credo!

- Creio em Deus pai todo poderoso, criador do céu e da terra, e em Jesus Cristo seu único filho, nosso Senhor...

- E?

- Desculpa padre, vou recomeçar: Creio em Deus pai todo poderoso, criador do céu e da terra, e em Jesus Cristo seu único filho, nosso Senhor...

O bom padre chegou a passar um verdadeiro sermão, sobre a importância de aprender o credo de cor e salteado. O filme se repetiu pelo menos outras duas vezes e como antes, lembrava apenas do começo e do trecho "desceu a mansão dos mortos" , isso era tão assustador, se tivesse de partir não ansiava descer àquela vultosa morada.

- Se você não souber recitar o Credo de cor, não poderá fazer primeira comunhão – disparou o padre. Lembro-me de relatar o episódio para algumas pessoas, ficaram horrorizadas com a exigência. No fim, acabei me sagrando campeão daquela “queda de braço”, porque fiz a primeira comunhão e não aprendi o tal Credo . Para dizer a verdade, nunca tive orgulho disso, era como triunfar sem benemerência, prevalecendo um impertinente gosto de malogro.

Tantos anos depois, em tempos tão difíceis impostos pela pandemia do novo Coronavírus, as pessoas sentem a necessidade de se apegar a alguma coisa, sendo marcado um reencontro com o Credo e dessa vez acabei assimilando toda a oração, como era esperado pelo padre há quase três decênios. Talvez estivesse certo quem dizia: antes tarde do que nunca! Enfim, agora pareço poder comemorar os êxitos de minha primeira comunhão e até consigo idear o semblante de contentamento do velho sacerdote.

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