Falso Amigo
A arquitetura era encantadora, belos lustres iluminavam o salão, imagens, castiçais e vitrais que estampavam a via crucis, davam à catedral uma característica barroca. Esse antro sagrado, que na maioria das vezes se praticava a fé ou pregava os ensinamentos de Cristo, era palco de luta entre dois de meus colegas de orfanato.
Escondido próximo ao altar, tentava compreender o motivo da disputa. Difícil, pois eles apenas brigavam e as poucas palavras que diziam, tinha dificuldade em compreender. Assim, não havia qualquer coisa que pudesse me deixar a par do problema e definir algo a ser feito diante desta estranha situação.
A luta prosseguia, João já não se mostrava capaz de conter os golpes de Issinho. Esse, por ter mais idade e melhor condição física, vinha ganhando vantagem durante a briga. Com isso já não tinha dúvidas, teria de ajudar João que era meu amigo. Obviamente, Issinho provocou toda esta situação, não poderia deixá-lo levar a melhor.
Quando me preparava para entrar no confronto, hesitei, os dois haviam parado, seus corpos antes colados, agora estavam distantes por quase dois metros. Observei João se erguer lentamente , parecia meio sem forças em decorrência do confronto. Quanto ao outro, permaneceu parado, seu corpo não esbanjava qualquer movimento.
Inesperadamente, João atou a correr em direção ao muro da igreja. Fazia grande esforço para conseguir pulá-lo. Voltando meu olhar a Issinho, notei que seu sangue fluía na região do tórax de seu corpo. Corri para acudi-lo, embora sem esperança que ainda estivesse vivo. No mesmo instante João já pulara o muro e devia estar se distanciando dos arredores da igreja. Gritei pelo padre da paróquia. Antes que ele e o restante dos colegas do orfanato pudessem chegar, notei que ainda respirava, tudo indicava ter somente perdido os sentidos. Nessa hora avistei a arma do crime, um pequeno canivete automático, que por pouco não tirara sua vida.
Em alguns instantes, o padre e os garotos do orfanato chegaram a cena do crime. Sem qualquer complicação conseguiram acordar o ferido. Enquanto lhe era posto o curativo, o jovem ressaltou, a todos, o motivo que o levou a disputar aquela batalha. Alegou ter acordado durante o encaminhar da noite e viu João com o cálice entre as mãos a fim de fugir da paróquia levando-o consigo. Issinho por sorte de ter acordado, pôde impedir o roubo arriscando sua vida para fazê-lo.
No canto da igreja estava o cálice, jogado ao chão. Isso prova que a versão de era verdadeira, aquele não era o local onde se costumava guardar o objeto.
Caso a luta tivesse durado mais alguns instantes, teria sido cúmplice no plano de João pois, iria me envolver em sua defesa, ajudando a realizar seus propósitos. Como às vezes nos enganamos com as pessoas! João, rapaz de bom senso, sempre esperou a hora exata para concretizar seu plano de roubo. Quanto ao meu desafeto que apresentava ter os básicos requisitos de um marginal, foi na verdade um herói.
O Orfanato nunca mais ouviu falar de João.
Falso Amigo II
Com a recente morte de sua mãe, a vida se tornou difícil para Issinho. Seu pai, ele jamais conheceu; parentes nunca soube de nenhum. Sempre fora ele e sua mãe e agora que esta o deixou, estava sozinho no mundo, tendo ele tão somente a si próprio.
Mandado para um orfanato, tinha as piores amizades. Tais influências lhe fizeram inverter todos os valores anteriormente ensinados por sua mãe pois, completara há pouco doze anos e assim não possuía noção definida quanto ao certo ou o errado, sendo impossível definir um caminho a seguir.
Numa noite remexendo os pertences que foram de sua mãe, logo descobre uma carta de seu pai endereçada a ela antes de seu nascimento. Lendo a correspondência, o garoto descobriu segredos nunca revelados pela falecida. Seu pai mantinha a função de cônego e fundara em sua paróquia um orfanato o qual atendia às crianças carentes e órfãs.
No dia seguinte, remeteu uma carta ao padre Otacílio. Lógico, sem identificar-se como seu filho. Apenas ressaltava seu descontentamento com as instalações do orfanato que o acolheu. Não poupou também elogios ao asilo de órfãos fundado pelo padre e no término da carta pediu encarecidamente por uma transferência de orfanato.
Comovido com a correspondência do garoto, o padre em poucos dias o levou para as sagradas instalações de seu orfanato. Mesmo com os parecidos traços que o jovem herdara de seu pai, nada o padre percebeu. Seu filho agora poderia bolar sua vingança. Desde quando descobriu a existência de seu pai, a ele atribuía toda culpa das desgraças de sua vida, faltava somente decidir a forma adotada para concretizar a vingança.
Com uma semana de estadia no novo orfanato, Issinho definira o plano de vingança. Sabendo através de colegas do asilo que o cálice da igreja possuía um valor inestimável, o jovem decidiu roubá-lo. Com o objeto em seu poder, não sofreria de problemas financeiros por muito tempo, seu pai jamais viesse saber, o motivo pelo qual, aparentemente, um jovem que ele estendera a mão usou de atitude tão covarde para prejudicá-lo.
A concretização de seu plano demoraria mais algum tempo. Sua presença no orfanato era ainda bastante recente e assim, por não contar com a confiança do padre e dos colegas, optou por executar seu plano quando estivesse vivendo há algum tempo no novo lar. Essa precaução evitaria qualquer falha imprevista, fazendo-o ser desmascarado.
Issinho deixava transparecer certa arrogância perante seus colegas. Por isso eles se mantinham distantes do garoto. Apenas João não o ignorava, a cada dia a amizade entre os dois se tornava mais sólida, sendo o bastante para não lhe causar incômodo o desprezo dos outros colegas.
Fora esses pequenos problemas, gozava de uma paz de espírito muito forte naquele lar. Sem que percebesse, sua vingança vinha ficando de lado, porque a vida já não lhe transparecia ter sido tão injusta. Seu pai também não aparentava ser o monstro o qual ele enxergava nos primeiros dias e assim ia levando os dias sem maiores problemas.
Após alguns meses, o jovem viveu seu maior conflito. Issinho se deu conta de sua mudança em todos aqueles meses. Não conseguia admitir, mas o orfanato parecia ser um bom lugar para viver, o dinheiro anteriormente tão básico para a felicidade estava sendo esquecido, o garoto não podia achar uma resposta!
Sofrendo dos mais dolorosos martírios, sentia que logo uma decisão teria de ser tomada. Resolveu concretizar sua vingança. Acreditava que com o cálice nas mãos e gozando dos benefícios os quais ele lhe traria, jamais sofreria qualquer tipo de remorso.
O cálice seria roubado naquela noite. Não poderia correr o risco de adiar o roubo e por fim acabar não cometendo o crime. Enquanto a noite caía no orfanato, Issinho pôs no bolso um canivete dado por um amigo do antigo orfanato. Apanhou toda sua economia feita naqueles meses, ela serviria para pagar um transporte com destino ao município mais próximo aonde iria se desfazer do cálice por um bom preço. Apanhou por último um largo corte de pano para embrulhar o objeto e não chamar atenção.
O jovem deixou o quarto caminhando lentamente para não despertar os colegas que consigo ocupavam aqueles aposentos. Ainda devagar, percorreu todo o corredor que dava acesso à igreja.
Como o cálice era trancafiado no interior de uma caixa de ferro parafusada por detrás do altar, abriu com um pedaço de arame o cadeado. Tinha agora o objeto em suas mãos. Indo em direção ao muro para pulá-lo e abandonar os arredores da igreja, o jovem interrompeu seu movimento por ouvir uma voz a chamar pelo seu nome em suas costas, virou-se amedrontado, era seu amigo João.
João de imediato perguntou por qual motivo estava acordado e rondando as instalações da igreja. Ele não respondeu, o objeto em suas mãos denunciaria a verdadeira atitude. Da forma esperada pelo jovem, João entendeu o caso. Usou fortes argumentos para convencer o amigo do contrário e abandonar a criminosa intenção.
Os conselhos do amigo foram inúteis, o garoto se mantinha irredutível, sobrou só uma saída. João correu para cima do amigo, começando assim o confronto. Com o choque entre os dois corpos o cálice fora jogado para longe. O medo de que o barulho despertasse o padre e os colegas, fez com que Issinho pegasse o canivete do bolso. Tentava a todo custo perfurar o corpo de João.
Por descuido, Issinho acabou sendo ferido pela sua própria arma no instante em que tentava ferir o oponente. O golpe foi tão forte que ele perdeu os sentidos.
Passados alguns minutos, o jovem voltou a si. Ao abrir os olhos, teve um impulso negativo, assustando-se ao ver o padre e os demais colegas de grupo ao seu redor. Todos queriam uma explicação quanto ao ocorrido. Após ficar algum tempo em silêncio, o jovem notou que João não se encontrava entre eles, por isso ressaltou todos os detalhes do duelo apenas revertendo as ações.
Ainda hoje acredita-se, no orfanato, que Issinho é um herói e salvou com coragem o cálice da igreja.
Falso Amigo III
À frente, somente, enxergava a escuridão. Corria em linha reta sem ter qualquer destino, sentia-me como uma presa tendo de fugir dos caçadores e o único pecado que cometi fora me envolver com a pessoa errada. Carregaria esse “barco sofredor” durante o resto da minha vida.
Era impossível saber o que mais me alarmava: seria toda aquela escuridão cercada pelos zumbidos de animais ferozes? Ou o remorso por ter tirado a vida de quem há poucos instantes considerava como um dos maiores amigos que tive na vida? Certamente, não vivia um momento oportuno para chegar a uma conclusão sensata, mas nem tudo era tristeza, estava feliz em saber que a cada segundo, mais distante me encontrava dos arredores da igreja.
Correndo durante alguns minutos, algo me incomodou com maior gravidade. Dessa vez não era a consciência de ser um assassino ou o medo da floresta, e sim quando me dei conta que jamais poderia retornar ao asilo situado na igreja. Como viveria sem escutar, diariamente, os longos sermões do padre Otacílio? Nessa hora notei o grande amor que sentia pelo meu lar, não podia aceitar tê-lo perdido para sempre.
Tudo começou com a chegada de um novo garoto às instalações do orfanato. No início, mantinha-se muito sério, algo normal para alguém que acaba de chegar a um novo ambiente e não conhece ninguém. Os dias foram se passando e assim notei que o novato agia com naturalidade. Ele, de fato, era uma pessoa séria e não se aproximava de ninguém, falava com todos somente o necessário.
Essa característica o fazia diferente quanto aos outros do orfanato, e isso chamou minha atenção. Logo me aproximei de Issinho, queria conhecer sua estranha personalidade. Nos primeiros dias ele aparentou não gostar de minha aproximação, respondia minhas perguntas com poucas palavras e algumas vezes até me deixava falando sozinho.
Em poucos dias, fui conquistando sua amizade e respeito. Enfim, conhecendo melhor sua personalidade. Era difícil explicar: Ele possuía um raciocínio lógico bem acima do meu e dos outros colegas, tinha uma resposta para tudo. Às vezes até esquecia que estava conversando com alguém poucos anos mais velho.
Durante a noite, acordei por causa de um pesadelo envolvendo o padre Otacílio. Ao olhar em direção à cama de Issinho, não o vi dormindo. Quase deitei novamente para voltar a dormir, quando lembrei que naquele dia, o amigo esteve bastante diferente, talvez o meu amigo precisasse conversar um pouco.
Percorrendo o caminho de acesso à igreja, avistei meu amigo a poucos metros de distância. Chamei por seu nome. Ao se virar em minha direção, a surpresa: Issinho em mune ao cálice, provavelmente tinha a má intenção de roubá-lo. Como seu amigo, não poderia deixá-lo cometer tal erro.
Todos os meus argumentos foram em vão. Restou uma única saída. Corri para cima dele, iniciando assim nosso confronto. Para minha surpresa, ele puxou do bolso um canivete, eu fazia muito esforço, caso fosse atingido seria o fim. Tive sorte! Não possuía habilidades em manusear a arma e acabou ferindo a si próprio no peito. Quando voltei a mim, vi seu corpo sobre o chão. Fiquei amedrontado. O medo tomou proporções maiores quando vi seu sangue fluir, manchando toda sua camisa. Com as forças que restavam, pulei o muro da igreja e corri para dentro de uma mata bem próxima à igreja. Continuei correndo, sabia que agora ninguém acreditaria em mim. Não podia pagar por um crime que não cometi.
Agora correndo contra o destino, imagino a policia levando o corpo de Issinho dentro de um saco plástico de cor preta. Logo irão se espalhar pelas localidades próximas, atrás de minha captura. Quando amanhecer, todos vão falar desse maldito crime.
Buscando forças para continuar correndo, percebo que não entendo bem do que realmente estou fugindo. Poderia ser da justiça a qual me caçava para responder a um homicídio e quem sabe até dos fantasmas que deveriam atormentar meus pensamentos durante o resto de minha vida. Só há algo a fazer: aguardar o momento de minha morte para que em meu reencontro com Issinho, seja no céu ou no inferno, possamos resolver nossas diferenças.
A arquitetura era encantadora, belos lustres iluminavam o salão, imagens, castiçais e vitrais que estampavam a via crucis, davam à catedral uma característica barroca. Esse antro sagrado, que na maioria das vezes se praticava a fé ou pregava os ensinamentos de Cristo, era palco de luta entre dois de meus colegas de orfanato.
Escondido próximo ao altar, tentava compreender o motivo da disputa. Difícil, pois eles apenas brigavam e as poucas palavras que diziam, tinha dificuldade em compreender. Assim, não havia qualquer coisa que pudesse me deixar a par do problema e definir algo a ser feito diante desta estranha situação.
A luta prosseguia, João já não se mostrava capaz de conter os golpes de Issinho. Esse, por ter mais idade e melhor condição física, vinha ganhando vantagem durante a briga. Com isso já não tinha dúvidas, teria de ajudar João que era meu amigo. Obviamente, Issinho provocou toda esta situação, não poderia deixá-lo levar a melhor.
Quando me preparava para entrar no confronto, hesitei, os dois haviam parado, seus corpos antes colados, agora estavam distantes por quase dois metros. Observei João se erguer lentamente , parecia meio sem forças em decorrência do confronto. Quanto ao outro, permaneceu parado, seu corpo não esbanjava qualquer movimento.
Inesperadamente, João atou a correr em direção ao muro da igreja. Fazia grande esforço para conseguir pulá-lo. Voltando meu olhar a Issinho, notei que seu sangue fluía na região do tórax de seu corpo. Corri para acudi-lo, embora sem esperança que ainda estivesse vivo. No mesmo instante João já pulara o muro e devia estar se distanciando dos arredores da igreja. Gritei pelo padre da paróquia. Antes que ele e o restante dos colegas do orfanato pudessem chegar, notei que ainda respirava, tudo indicava ter somente perdido os sentidos. Nessa hora avistei a arma do crime, um pequeno canivete automático, que por pouco não tirara sua vida.
Em alguns instantes, o padre e os garotos do orfanato chegaram a cena do crime. Sem qualquer complicação conseguiram acordar o ferido. Enquanto lhe era posto o curativo, o jovem ressaltou, a todos, o motivo que o levou a disputar aquela batalha. Alegou ter acordado durante o encaminhar da noite e viu João com o cálice entre as mãos a fim de fugir da paróquia levando-o consigo. Issinho por sorte de ter acordado, pôde impedir o roubo arriscando sua vida para fazê-lo.
No canto da igreja estava o cálice, jogado ao chão. Isso prova que a versão de era verdadeira, aquele não era o local onde se costumava guardar o objeto.
Caso a luta tivesse durado mais alguns instantes, teria sido cúmplice no plano de João pois, iria me envolver em sua defesa, ajudando a realizar seus propósitos. Como às vezes nos enganamos com as pessoas! João, rapaz de bom senso, sempre esperou a hora exata para concretizar seu plano de roubo. Quanto ao meu desafeto que apresentava ter os básicos requisitos de um marginal, foi na verdade um herói.
O Orfanato nunca mais ouviu falar de João.
Falso Amigo II
Com a recente morte de sua mãe, a vida se tornou difícil para Issinho. Seu pai, ele jamais conheceu; parentes nunca soube de nenhum. Sempre fora ele e sua mãe e agora que esta o deixou, estava sozinho no mundo, tendo ele tão somente a si próprio.
Mandado para um orfanato, tinha as piores amizades. Tais influências lhe fizeram inverter todos os valores anteriormente ensinados por sua mãe pois, completara há pouco doze anos e assim não possuía noção definida quanto ao certo ou o errado, sendo impossível definir um caminho a seguir.
Numa noite remexendo os pertences que foram de sua mãe, logo descobre uma carta de seu pai endereçada a ela antes de seu nascimento. Lendo a correspondência, o garoto descobriu segredos nunca revelados pela falecida. Seu pai mantinha a função de cônego e fundara em sua paróquia um orfanato o qual atendia às crianças carentes e órfãs.
No dia seguinte, remeteu uma carta ao padre Otacílio. Lógico, sem identificar-se como seu filho. Apenas ressaltava seu descontentamento com as instalações do orfanato que o acolheu. Não poupou também elogios ao asilo de órfãos fundado pelo padre e no término da carta pediu encarecidamente por uma transferência de orfanato.
Comovido com a correspondência do garoto, o padre em poucos dias o levou para as sagradas instalações de seu orfanato. Mesmo com os parecidos traços que o jovem herdara de seu pai, nada o padre percebeu. Seu filho agora poderia bolar sua vingança. Desde quando descobriu a existência de seu pai, a ele atribuía toda culpa das desgraças de sua vida, faltava somente decidir a forma adotada para concretizar a vingança.
Com uma semana de estadia no novo orfanato, Issinho definira o plano de vingança. Sabendo através de colegas do asilo que o cálice da igreja possuía um valor inestimável, o jovem decidiu roubá-lo. Com o objeto em seu poder, não sofreria de problemas financeiros por muito tempo, seu pai jamais viesse saber, o motivo pelo qual, aparentemente, um jovem que ele estendera a mão usou de atitude tão covarde para prejudicá-lo.
A concretização de seu plano demoraria mais algum tempo. Sua presença no orfanato era ainda bastante recente e assim, por não contar com a confiança do padre e dos colegas, optou por executar seu plano quando estivesse vivendo há algum tempo no novo lar. Essa precaução evitaria qualquer falha imprevista, fazendo-o ser desmascarado.
Issinho deixava transparecer certa arrogância perante seus colegas. Por isso eles se mantinham distantes do garoto. Apenas João não o ignorava, a cada dia a amizade entre os dois se tornava mais sólida, sendo o bastante para não lhe causar incômodo o desprezo dos outros colegas.
Fora esses pequenos problemas, gozava de uma paz de espírito muito forte naquele lar. Sem que percebesse, sua vingança vinha ficando de lado, porque a vida já não lhe transparecia ter sido tão injusta. Seu pai também não aparentava ser o monstro o qual ele enxergava nos primeiros dias e assim ia levando os dias sem maiores problemas.
Após alguns meses, o jovem viveu seu maior conflito. Issinho se deu conta de sua mudança em todos aqueles meses. Não conseguia admitir, mas o orfanato parecia ser um bom lugar para viver, o dinheiro anteriormente tão básico para a felicidade estava sendo esquecido, o garoto não podia achar uma resposta!
Sofrendo dos mais dolorosos martírios, sentia que logo uma decisão teria de ser tomada. Resolveu concretizar sua vingança. Acreditava que com o cálice nas mãos e gozando dos benefícios os quais ele lhe traria, jamais sofreria qualquer tipo de remorso.
O cálice seria roubado naquela noite. Não poderia correr o risco de adiar o roubo e por fim acabar não cometendo o crime. Enquanto a noite caía no orfanato, Issinho pôs no bolso um canivete dado por um amigo do antigo orfanato. Apanhou toda sua economia feita naqueles meses, ela serviria para pagar um transporte com destino ao município mais próximo aonde iria se desfazer do cálice por um bom preço. Apanhou por último um largo corte de pano para embrulhar o objeto e não chamar atenção.
O jovem deixou o quarto caminhando lentamente para não despertar os colegas que consigo ocupavam aqueles aposentos. Ainda devagar, percorreu todo o corredor que dava acesso à igreja.
Como o cálice era trancafiado no interior de uma caixa de ferro parafusada por detrás do altar, abriu com um pedaço de arame o cadeado. Tinha agora o objeto em suas mãos. Indo em direção ao muro para pulá-lo e abandonar os arredores da igreja, o jovem interrompeu seu movimento por ouvir uma voz a chamar pelo seu nome em suas costas, virou-se amedrontado, era seu amigo João.
João de imediato perguntou por qual motivo estava acordado e rondando as instalações da igreja. Ele não respondeu, o objeto em suas mãos denunciaria a verdadeira atitude. Da forma esperada pelo jovem, João entendeu o caso. Usou fortes argumentos para convencer o amigo do contrário e abandonar a criminosa intenção.
Os conselhos do amigo foram inúteis, o garoto se mantinha irredutível, sobrou só uma saída. João correu para cima do amigo, começando assim o confronto. Com o choque entre os dois corpos o cálice fora jogado para longe. O medo de que o barulho despertasse o padre e os colegas, fez com que Issinho pegasse o canivete do bolso. Tentava a todo custo perfurar o corpo de João.
Por descuido, Issinho acabou sendo ferido pela sua própria arma no instante em que tentava ferir o oponente. O golpe foi tão forte que ele perdeu os sentidos.
Passados alguns minutos, o jovem voltou a si. Ao abrir os olhos, teve um impulso negativo, assustando-se ao ver o padre e os demais colegas de grupo ao seu redor. Todos queriam uma explicação quanto ao ocorrido. Após ficar algum tempo em silêncio, o jovem notou que João não se encontrava entre eles, por isso ressaltou todos os detalhes do duelo apenas revertendo as ações.
Ainda hoje acredita-se, no orfanato, que Issinho é um herói e salvou com coragem o cálice da igreja.
Falso Amigo III
À frente, somente, enxergava a escuridão. Corria em linha reta sem ter qualquer destino, sentia-me como uma presa tendo de fugir dos caçadores e o único pecado que cometi fora me envolver com a pessoa errada. Carregaria esse “barco sofredor” durante o resto da minha vida.
Era impossível saber o que mais me alarmava: seria toda aquela escuridão cercada pelos zumbidos de animais ferozes? Ou o remorso por ter tirado a vida de quem há poucos instantes considerava como um dos maiores amigos que tive na vida? Certamente, não vivia um momento oportuno para chegar a uma conclusão sensata, mas nem tudo era tristeza, estava feliz em saber que a cada segundo, mais distante me encontrava dos arredores da igreja.
Correndo durante alguns minutos, algo me incomodou com maior gravidade. Dessa vez não era a consciência de ser um assassino ou o medo da floresta, e sim quando me dei conta que jamais poderia retornar ao asilo situado na igreja. Como viveria sem escutar, diariamente, os longos sermões do padre Otacílio? Nessa hora notei o grande amor que sentia pelo meu lar, não podia aceitar tê-lo perdido para sempre.
Tudo começou com a chegada de um novo garoto às instalações do orfanato. No início, mantinha-se muito sério, algo normal para alguém que acaba de chegar a um novo ambiente e não conhece ninguém. Os dias foram se passando e assim notei que o novato agia com naturalidade. Ele, de fato, era uma pessoa séria e não se aproximava de ninguém, falava com todos somente o necessário.
Essa característica o fazia diferente quanto aos outros do orfanato, e isso chamou minha atenção. Logo me aproximei de Issinho, queria conhecer sua estranha personalidade. Nos primeiros dias ele aparentou não gostar de minha aproximação, respondia minhas perguntas com poucas palavras e algumas vezes até me deixava falando sozinho.
Em poucos dias, fui conquistando sua amizade e respeito. Enfim, conhecendo melhor sua personalidade. Era difícil explicar: Ele possuía um raciocínio lógico bem acima do meu e dos outros colegas, tinha uma resposta para tudo. Às vezes até esquecia que estava conversando com alguém poucos anos mais velho.
Durante a noite, acordei por causa de um pesadelo envolvendo o padre Otacílio. Ao olhar em direção à cama de Issinho, não o vi dormindo. Quase deitei novamente para voltar a dormir, quando lembrei que naquele dia, o amigo esteve bastante diferente, talvez o meu amigo precisasse conversar um pouco.
Percorrendo o caminho de acesso à igreja, avistei meu amigo a poucos metros de distância. Chamei por seu nome. Ao se virar em minha direção, a surpresa: Issinho em mune ao cálice, provavelmente tinha a má intenção de roubá-lo. Como seu amigo, não poderia deixá-lo cometer tal erro.
Todos os meus argumentos foram em vão. Restou uma única saída. Corri para cima dele, iniciando assim nosso confronto. Para minha surpresa, ele puxou do bolso um canivete, eu fazia muito esforço, caso fosse atingido seria o fim. Tive sorte! Não possuía habilidades em manusear a arma e acabou ferindo a si próprio no peito. Quando voltei a mim, vi seu corpo sobre o chão. Fiquei amedrontado. O medo tomou proporções maiores quando vi seu sangue fluir, manchando toda sua camisa. Com as forças que restavam, pulei o muro da igreja e corri para dentro de uma mata bem próxima à igreja. Continuei correndo, sabia que agora ninguém acreditaria em mim. Não podia pagar por um crime que não cometi.
Agora correndo contra o destino, imagino a policia levando o corpo de Issinho dentro de um saco plástico de cor preta. Logo irão se espalhar pelas localidades próximas, atrás de minha captura. Quando amanhecer, todos vão falar desse maldito crime.
Buscando forças para continuar correndo, percebo que não entendo bem do que realmente estou fugindo. Poderia ser da justiça a qual me caçava para responder a um homicídio e quem sabe até dos fantasmas que deveriam atormentar meus pensamentos durante o resto de minha vida. Só há algo a fazer: aguardar o momento de minha morte para que em meu reencontro com Issinho, seja no céu ou no inferno, possamos resolver nossas diferenças.
19 Coveiros:
Ótima idéia postar as tres histórias juntas
Ótima idéia postar as tres histórias juntasII
Nossa, muito boas as histórias! Adorei seu estilo de escrita.
Parabéns e sucesso!
SIMM
VOU ADERIR!
De falsos amigos devemos estar longe.
Belissimo texto rafita
Desde que tenha um frigobar carregado na tumba, tudo bem. Legal os textos. História interessante, gostei da redação e do desenrolar..Meus cumprimentos..
Eu vou aderir suas historia é bem bacana
Bem sombrio,mas legal e a trama bem costurada.Parabens!
parabéns, bom texto
um tanto sombrio mas com uma leveza.
www.arthurmelo92.blogspot.com
www.thinkkabout.blogspot.com
uhauhauhah, q viagem
Vc tem o dom das palavras ... muito bem narrado e muito criativo.
Querido amigo avassalador...
Na verdade, Issinho não era falso amigo.. O personagem narrador da trama Deduziu uma cena... o engano foi artimanha de umpre julgamento... É comum o ser humano completar a "figura" com as informaçoes anteriores sem observar bem os fatos.
Confesso que li apenas o Falso amigo I.... outra ocasiao lerei os outros ok...
Ps.:
Cuidado com o blog Pagina Brasil, dá calotes. Vamos retribuir os calotes... Passe adiante!
Olha eu vo add em favoritos pke o Falso Amigo I e o II eu já li agora falta o resto!
Poxa mto foda essas historias eh vc ke escreve?
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so-para-garotas.rg3.net
Massa
É bom a gente ler algo que prescreve a obviedade, só li o conto do topo, um tanto quanto pagão rs, mas com raízes universais, muito bom! Parabéns!
A falsidade é comum. Incomum é a amizade e por isso nós criamos um círculo com os melhores, que nem sempre são tão verdadeiros assim...
extremamente sensacional, adorei mesmo ! Não devemos julgar as pessoas. Issinho parecia ser o pior, mas era então o herói.
o texto seria assustador por si só, mas as imagens ajudam um bocado :O
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